terça-feira, 14 de outubro de 2008

Entrevista: A Comuna




Essa semana publicaremos entrevistas realizadas com as bandas do Quintal do Lumo II. Segue abaixo a d'A Comuna.

por Henrique Caçapa

Meus primeiros contatos com A Comuna aconteceram por volta de 2004, ainda com o sobrenome Experimental. Havia uma curiosidade da minha parte sobre a banda e foi um dos motivos que me fizeram ir às eliminatórias do primeiro Festival Microfonia. Lembro bem que naquele dia o show começou com um poema, recitado por Cacá, depois alguns temas instrumentais. Nessa hora virei pra um amigo e disse: ''Carai, que doidera'', recebi de volta um: ''Não to entendendo nada''. O som era louco demais pro deveras jovem festival...

Hoje, o cd Maldito (copiado, não consegui um original ainda), roda no som naquela hora que quero ouvir um Pink Floyd abrasileirado à moda de Caetano, ou um cd do Clube da Esquina convidando Arrigo Barnabé pra uma Jam na rodoviária. Vamos ver o que esse pessoal bonzinho da cabeça tem a dizer:

Henrique Caçapa - Nesses anos de carreira, vocês se caracterizaram por ter um show em que tudo pode acontecer desde jams incríveis a participações inusitadas, o que mudou na banda desde que ela deixou de se chamar ''experimental''?

Bruno (Gago) - Caçapa, na verdade a gente retirou o nome Experimental por uma questão prática, ou melhor, por uma questão da exigência que o nome provoca. Quando a gente junta o experimental ao nome cria-se uma expectativa óbvia de que a gente traga algo inovador e, com o tempo, essa idéia foi perdendo espaço nas nossas cabeças. Foi um consenso dentro da banda.

Acho que, ultimamente, a gente tem feito uma música mais tradicional, no sentido formal da coisa. Procurando fazer mais canções e menos jams na maioria dos shows. Isso muda, claro, dependendo da ocasião. Às vezes a gente é chamado pra fazer umas doideras e, quase sempre, a gente topa sem problema!

O fato de Glauco ter entrado na banda também alterou um pouco nossa forma de tocar. A gente começou a ter uma preocupação em fazer músicas mais pensadas, com arranjos mais trabalhados e pré-estabelecidos pras músicas que ele começou a trazer pra gente. O espaço para o improviso diminuiu, mas não desapareceu, você vai conferir isso no show. E, talvez, a gente seja, hoje, experimental de uma forma mais minimalista, se preocupando mais com os detalhes.

H Caçapa - Como vocês enxergam a figura do artista contemporâneo e como a banda se insere nesse contexto?

Bruno – Acho que essa pergunta é MUITO complexa, mas vamo lá. Primeiro, não acho que música seja, necessariamente, arte nem que músico seja artista, consequentemente. Resumindo, nem sempre música=arte mesmo porque hoje a gente vê a música sendo usada de tantas formas, com fins distintos e por meios diferentes que essa ligação automática do músico-artista fica problemática.
Vou responder, então, como se a pergunta se estendesse, também, ao músico contemporâneo.
Acho que a Comuna ta tentando se ligar no contexto agora. A gente, apesar do tempo de banda (6 anos), ainda ta começando a se articular dentro de certas lógicas contemporâneas de produção.

Daqui do subúrbio do país periférico, às vezes é difícil perceber como as coisas acontecem, mas estamos tentando nos livrar de certas mazelas e idéias retrógradas em relação ao que é ser músico e, também, artista.

Afinal, acho que a luta é viver (e bem) fazendo o que a gente acredita e, pra isso, o músico precisa sair da toca e se livrar da idéia romântica de que alguém vai achá-lo e levá-lo no colo pra fama e pro sucesso arrebatador!

Essas coisas são difíceis de entrar na cabeça de algumas pessoas que ainda acham que você só precisa tocar e esperar que alguém faça algo por você. Acho que o músico, o artista, ou qualquer pessoa que trabalhe com bens culturais precisa ter uma boa idéia do mundo que o cerca pra poder produzir melhor, assim como qualquer outro que vive e trabalha neste mundo.

É preciso saber das condições de produção, do contexto em que seu trabalho está ou vai ser inserido. Ou seja, não adianta ficar na ignorância e fazer de conta que o mundo, o mercado e as pessoas não existem. É preciso trabalhar e se articular pra que sua música chegue aos ouvidos dos outros.

H Caçapa - A festa Quintal do Lumo tem como uma de suas características a interatividade entre música e outras manifestações. Até que ponto o trabalho de vocês é influenciado por outras artes?

Bruno – A gente sempre curtiu fazer trabalhos integrados com outras artes e artistas. Já tocamos muitas vezes com filmes sendo projetados ou em peças de teatro. Acho que a música naturalmente está ligada a outras sensações e formas de percepção.

Acho que o trabalho da gente é muito influenciado pelo cinema e pela literatura. Glauco é mais ligado à literatura. Eu e Ricardo estudamos cinema. Amaro, além de estudar arquitetura também gosta muito de cinema. A família de Yuri é ligada às artes plásticas, isso acaba gerando uma influência automática, e por aí vai... A própria canção, principal formato das nossas músicas, junta a poesia e a música. Acho que é inevitável ligar música a outras formas de expressão, seja ela artística ou não. Tudo acaba influenciando na hora de compor e de tocar.

H Caçapa - O disco Maldito é repleto de harmonias intrigantes e letras meticulosas, o que vocês pretendem com esse novo trabalho e de que forma ele será refletido no show do dia 18?

Bruno – Eu não saberia dizer exatamente qual a nossa pretensão com o Maldito. O próprio nome, que é título de uma música, diz muito sobre ele. Foi bem difícil a gente terminar esse trabalho. Foi um longo processo de gravação e de edição que serviu, e muito, de experiência pra nós. Fizemos tudo em casa, com um grande esforço empírico pra descobrir como se faz um disco, afinal. A internet nos ajudou bastante no aspecto técnico, por exemplo!

No final, acho que o Maldito acaba sendo a cara do que é e do que foi A Comuna durante esses dois últimos anos. É um disco de músicas bem variadas, mas que tem uma linha mestra que é o cuidado com os detalhes.

O repertório pra esse show está composto de algumas músicas do disco que são mais tocáveis ao vivo e de outras que não entraram na seleção final pro Maldito ou que foram compostas depois das gravações. Todas elas têm arranjos diferentes do disco e algumas serão inéditas pra maioria das pessoas que comparecerem. A gente vai tentar fazer um show mais dinâmico e mais cuidadoso.

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