domingo, 19 de julho de 2009

Tíquete para cultura

fonte: Jotabê Medeiros / Folha de São Paulo

A gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão e arte, dizia a letra da música dos Titãs. Na próxima quinta-feira, às 18 horas, no Teatro Raul Cortez, na Federação do Comércio (Bela Vista), em São Paulo, começa a se estruturar um dos tripés dessa pequena utopia. Será assinado, com a presença do presidente Lula, o projeto de lei que cria o Vale Cultura.

Será o segundo projeto de criação do Vale Cultura a ser encaminhado ao Congresso. O primeiro tramita há três anos na Câmara e já passou por todas as instâncias (foi aprovado nas comissões por unanimidade). Mas o problema do Vale Cultura dos deputados é de verba, já que ele pediria a criação de uma despesa orçamentária extra, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

O Vale Cultura do governo Lula, por seu turno, pretende abraçar a proposta do Congresso e dar-lhe efetividade. O tíquete será subsidiado pela renúncia fiscal. O mecanismo consiste na adoção de um bônus mensal de R$ 50 para que o trabalhador gaste com consumo cultural - cinema, artes cênicas, literatura, artes visuais, audiovisual, música e patrimônio cultural. É uma variação de outras modalidades de bônus, como os vales refeição e transporte.

O “tíquete plateia” poderá atingir até 14 milhões de trabalhadores no País e injetar, de forma direta, cerca de R$ 600 milhões por mês no mercado cultural - uma inoculação anual de mais de R$ 7 bilhões no mercado (sete vezes mais do que a Lei Rouanet inteira anualmente).

Funciona assim: do valor mensal unitário de R$ 50, o governo entra com 30%; o empregador pagará 50% (terá renúncia fiscal de até 1% do Imposto de Renda devido); e o trabalhador, 20% (ou R$ 10). Apenas empresas que pagam impostos com base no lucro real poderão disponibilizar o vale-cultura aos trabalhadores.

“É um instrumento de acessibilidade”, considerou recentemente o ministro da Cultura, Juca Ferreira, em entrevista a uma emissora estatal. “Porque toda empresa que paga imposto, de lucro real, vai poder disponibilizar (o vale) para os seus trabalhadores e, evidentemente, os trabalhadores vão reivindicar isso por meio dos seus sindicatos e centrais sindicais. Tende a se generalizar, como o vale-refeição.”

O Vale Cultura do Congresso foi proposto em 2006 pelo então deputado (hoje ministro) José Múcio Monteiro (PTB/PE), e enfrentou diversas etapas de aprimoramento. Atualmente, repousa na mesa do relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), o deputado Augusto Farias (PTB-AL) esperando assinatura.

O governo pediu autorização ao ministro José Múcio para encampar sua proposta e incorporar mecanismo concreto de financiamento do projeto. “A gente não quer a autoria, quer apenas que o Vale Cultura aconteça. Vamos aproveitar o que a Câmara já fez “, disse Alfredo Manevy, secretário executivo do Ministério da Cultura. Segundo Manevy, pelo “grande consenso” em torno da ideia, a expectativa é que a lei tenha tramitação rápida e entre em ação ainda este ano.

De fato, o Vale Cultura tem reunido apoios importantes. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo apoia o mecanismo, assim como as centrais sindicais. Na sexta-feira, durante o XI Fórum de Governadores do Nordeste, em João Pessoa, Paraíba, todos os governadores da região divulgaram uma carta, que diz: “A atual proposta contém medidas inovadoras para a política brasileira da área, com efeitos positivos para o desenvolvimento do Nordeste. Promove a desconcentração regional e setorial do acesso aos recursos de fomento; amplia mecanismos de financiamento, indo além da renúncia fiscal; e democratiza o consumo cultural, através do Vale Cultura.”

Em São Paulo, o governo do Estado já desenvolve ações do tipo, como a distribuição de 2,5 milhões de bilhetes de cinema por ano para alunos da rede pública de ensino. João Sayad, secretário de Estado da Cultura, vê com bons olhos e apoia a chegada do novo Vale Cultura.

“A política cultural do País apoia artistas e criadores através de gastos orçamentários e renúncias fiscais em todos os níveis da federação. Entretanto, não há nenhum apoio financeiro para o público. Num país de ricos e pobres, há um grande contingente de brasileiros que não tem renda suficiente para ir ao cinema, ao teatro ou a outro tipo de evento cultural”, ele pondera. “O projeto de lei que institui o vale cultura, análogo ao vale transporte ou ao vale refeição, corrige e preenche uma lacuna importante das políticas culturais do País. Assim como o vale-transporte ou refeição, criará um mercado importante para a cultura no País”, afirmou Sayad.

Há ainda diversas dúvidas sobre o funcionamento do sistema (por exemplo: as empresas terão de ser credenciadas?). O governo promete responder a elas a partir de segunda-feira.

CINCO DÚVIDAS

1. O vale-cultura não poderá ser usado em outros fins, como por exemplo para comprar cigarro, em vez de para consumir cultura?
O governo acredita que a troca (ou escambo) do vale por produtos é um efeito “marginal” do uso, e equivale a uma perda pequena, da mesma forma que o Vale Refeição. Não vai prejudicar o uso essencial.

2. Esse valor não é irrisório, face ao déficit cultural do brasileiro?
O valor baixo, segundo o projeto, é para desestimular fraudes tributárias (pagamento de verba salarial por meio do vale).

3. O vale-cultura poderia ser usado para consumir produtos informais, como os CDs do tecnobrega paraense?
Não é recomendado. O espírito do projeto de lei é aumentar a arrecadação de tributos, além de gerar mais empregos e criar um círculo virtuoso. A produção citada não tem taxação.

4. O vale-cultura poderá ser usado por qualquer trabalhador, desde aquele que ganha salário mínimo quanto o executivo que ganha R$ 60 mil?
Não. Apenas por trabalhadores de baixa renda. A ideia é democratizar o acesso à cultura (o trabalhador que ganha bem já pode consumir cultura).5. O trabalhador pode levar a mulher ou algum filho ao cinema com o vale-cultura?

Pode. O problema é que vai gastar seu tíquete muito rápido, mas é permitido.

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